Noticia de livreiros e impressores de Lisbôa na 2ª metade do seculo XVI
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Publié le 08 décembre 2010
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The Project Gutenberg EBook of Noticia de livreiros e impressores de Lisbôa na 2ª metade do seculo XVI, by José Joaquim Gomes de Brito This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org
Title: Noticia de livreiros e impressores de Lisbôa na 2ª metade do seculo XVI Author: José Joaquim Gomes de Brito Release Date: February 20, 2008 [EBook #24657] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK LISBÔA ***
Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
Nota de editor:Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Fev. 2008)
GOMES DE BRITO
NOTICIA
DE
Livreiros e Impressores em Lisbôa NA 2.ª METADE DO SECULO XVI
COMPOSTA EM FACE DE UM CODICE DA CAMARA MUNICIPAL DESTA CIDADE
1911 IMPRENSALIBANIO DASILVA Travessa do Fala-Só, 24 LISBOA
Livreiros e Impressores em Lisbôa na 2.ª metade do Seculo XVI
GOMES DE BRITO
NOTICIA
DE
Livreiros e Impressores em Lisbôa
NA
2.ªMETADE DO SECULO XVI
COMPOSTA EM FACE DE UM CODICE DA CAMARA MUNICIPAL DESTA CIDADE
1911 IMPRENSALIBANIO DASILVA Travessa do Fala-Só, 24 LISBOA
DoBoletim da Sociedade de Bibliophilos Barbosa Machado Tiragem: 50 exemplares N.º 44
NOTICIA DE Livreiros e Impressores em Lisbôa
NA 2.ªMETADE DO SECULO XVI
Até o tempo em que o Cardeal D. Henrique, depois rei, procedeu á nova circumscripção das parochias de Lisbôa, erijindo mais cinco freguezias a ajuntar ás vinte e cinco já existentes (1564 a 1569), demarcando-lhes o territorio nos recortes feitos a quatro destas, a secular compartilha que resultava deste regimen, estabelecido no intuito de accomodar o serviço religioso ás necessidades dos fieis, e sua mais immediata satisfação, soffrera tres remodelações. Ordenara a ultima, durante a regencia do principe D. João, ausente em França seu pai, o rei D. Affonso V, o celebre cardeal de Alpedrinha. Por effeito daquelle regimen, grande numero de vias públicas lisbonenses eram, como ainda hoje o são, compartilhadas por diversas freguezias confinantes. OSummario Christovão de Rodrigues de Oliveira, apezar de imperfeito neste ponto, nos mostra, pela repetição dasdenominações, que não dosdisticos, porque tal providencia estava ainda por nascer, quaes e quantas eram as vias públicas compartilhadas, por effeito da remodelação parochial então vigente. Comprehendia-se entre as deste numero a muito falada «Rua Nova», dividida em dois troços, um mais antigo que o outro; um, o primeiro, fazendo parte do territorio da freguezia da Magdalena, o outro pertencendo á freguezia de «S. Gião» (S. Julião). Do mesmo modo, esta notavel rua da Lisbôa medieva, que principiando no Pelourinho, ía entroncar na Calcetaria, era conhecida por duas denominações, correspondentes á sua compartilha. Á parte oriental, territorio da parochia da Magdalena, que terminava no Arco dos Barretes, chama Christovão «Rua Nova dos Ferros»; a ue desde o redito Arco ía embeber-se na
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Calcetaria, um pouco adiante do Chafariz dos Cavallos, é designada na relação doSummario, referida á freguezia de S. Gião, pela denominação de «Rua Nova dos Mercadores».
I
É em toda a extensão da Rua Nova, de um e outro lado della, que, mercê de um valioso codice pertencente á Camara Municipal de Lisbôa[1], nós vamos encontrar, de porta aberta, nos annos intermedios dos já preditos (1565 a 1567), não só alguns dos livreiros e editores já conhecidos dos que conversam o passado literario de Portugal, mas outros tambem, ainda até agora não mencionados. Começando a juzante da formosa linha de agua com a qual a Rua Nova andava, se pode dizer, parallela, o primeiro que se nos depara é Bartholomeu Lopes, que não deixou de si, que saibamos, memoria averiguada, mas que poderá ser, porventura, membro de uma notavel geração de livreiros deste appelido;―os Lopes.[2] Em 1563, isto é, dois annos, apenas, antes do primeiro dos dois a que o codice de onde extractamos estes apontamentos se refere, havia um Christovão Lopes estabelecido «á Porta da Sé», segundo se vê do titulo seguinte, que abreviamos, mas se pode ler completo em Innocencio,Diccion. Bibliog.II, 166: «Exposiçam da Regra do glorioso Padre Sancto Augustinho... por frey Diogo de Sam Miguel, &―Vendense(sic)á porta da See, em casa de Christouam Lopes Liureyro a dous tostões em papel.―Foy impresso em Lixboa em casa de Joannes Blavio de Agrippina Colonia―Anno de 1563». Vista a propinquidade dos annos, poderá acaso Bartholomeu Lopes ter sido irmão, ou filho (?) de Christovão Lopes, e seu successor, passando o estabelecimento da Porta da Sé para a Rua Nova, ou estabelecendo-se elle ahi de novo. É possivel tambem que este mesmo livreiro seja pae do livreiro-impressor Simão Lopes, que deu em Lisbôa, em 1593, a primeira edição doItinerario, de Fr. Pantaleão d'Aveiro, asCartas do Japã o, etc., e em 1596 reimprimiu aChronica de D. João II, de Garcia de Rezende. A seguir a Bartholomeu Lopes, seu visinho, estabelecido, até, nas mesmas casas, tendo ambos por senhorio um tal Jeronymo Corrêa, tinha a sua lojinha Sagramor Fernandes. Era livreiro de modestas posses, a julgar pela avaliação que os «lançadores», para tal effeito deputados, deram á sua fazenda, na proporção de cuja totalidade deveria, como todos, pagar o respectivo escote. O nome baptismal do homem era novellesco, mas ascavallarias, ao que parece, não eram grandes. A influencia das novellas de cavallaria faz-se ainda sentir em toda a sua pujança no codice que nos facilita esta noticia, imprimindo-lhe um matiz pictoresco e variado. O nome novellesco do obscuro livreiro não é unico entre os seus congeneres de ambos os sexos, inscriptos neste curioso recenseamento. A par dos Sagramor ha os Lançarote; de envolta com as Ginevras passam as Briolanjas. A procedencia francesa e a italiana, dando-se as mãos. Lançarote é o «Lancelot» francez; Lancelot du Lac, o heroe cavalheiresco de Gauthier Mapp, o amigo de Henrique II de Inglaterra. Sagramor é o «Sagromoro» milanez, que Jorge Ferreira aportuguesou, fazendo-o heroe do seu Memorial; Sagramor Constantino, designado por el-rei Arthur para seu successor, se a sorte das armas lhe fôsse adversa.
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Por aproposito, lembraremos a dúvida que Barbosa Machado fez nascer, ácerca da existencia dosTriumfos de Sagramor, novella que, segundo elle, teria sido impressa em Coimbra, em 1554, por João Alvarez, mas de que parece que nem o douto Abbade de Sever, nem, de certeza, o seu successor, o diligente Innocencio, viram jámais exemplar algum. Será esta hypotética novella o proprioMemorial, assim duplicado pelo auctor daBibliotheca Lusitana? Eis um curioso thema, digno, nos parece, de attrahir a attenção da nossa Sociedade, e a que o artigo de Innocencio (IV, n.º 2095, pag. 170) prestaria a base. Em compensação, porém, algumas lojas mais adiante do modesto Sagramor achava-se estabelecido o opulento João de Borgonha. Livreiro-editor de nomeada, fornecedor de artigos do seu ramo para a fazenda de S. A., proprietario nas visinhanças do seu estabelecimento, e em mais de um sitio,[3] seus teres, como os negociante, foram avaliados em «um conto de réis». Na epoca em que o encontrámos, tinha elle por seu «obreiro», talvez o que hoje chamariamos seu «director-technico», seu administrador ou seu apoderado, a um certo Miguel de Arenas, um castelhano, porventura, como da Borgonha seria, com effeito, o patrão; estranjeiros quasi todos, estes negociantes das letras portuguezas do seculo XVI, que, vindo concorrer com os [4] nacionaes, faziam, ao que parece, mais fortuna que elles. Certo é que Miguel de Arenas estabeleceu-se posteriormente, com o mesmo ramo de commercio, de sociedade com João de Molina; tambem, e mais vulgarmente conhecido por «João de Hespanha», outro abastado mercador de livros, mas não tanto como o seu confrade borgonhez. O negocio de João de Hespanha foi avaliado em «duzentos mil réis». Como «obreiro» de João de Borgonha, Miguel de Arenas devia fazer bons interesses. Dos seus ordenados―e foi por esta circumstancia que o suppuzemos empregado superiorda casa de seu patrão―foram-lhe arbitrados «cinquo mill rs», para na razão delles pagar o respectivo escote.[5] A João de Borgonha segue-se, nas tendas de Alvaro de Moraes, o livreiro Manoel Carvalho, provavelmente o pae de Sebastião Carvalho, que em 1598 publicou, em 3.ª edição, aRecopilaçam das cousas que conuem guardarse no modo de preseruar a Cidade de Lisboa, instrucções redigidas em 1569 pelos medicos Thomaz Alvarez e Garcia de Salzedo Coronel, e repetidas na primeira das datas a que acima nos referimos, «por mandado da cidade de Lisbôa», &.[6]Sebastião Carvalho conservaria assim na mesma Rua Nova o estabelecimento paterno. Apresentam-se, logo em seguida a Manoel Carvalho, Diogo Machado, João Lopes e «Graviel» de Araujo, dos quaes não viramos ainda noticia, antes que o codice que lhes revelou a existencia no'los désse a conhecer. Ao ultimo destes segue Diogo Moniz, que por ter apresentado carta de familiar do Santo Officio, foi escuso do escote. Porfim, e quasi no extremo da parte da rua pertencente á freguezia da Magdalena, o «Grafeo», isto é, o livreiro-editor Francisco Grapheo, em cujo estabelecimento se vendia a novellaMenina e Moça, deBernardimRibeiro, impressa em Colonia, em 1559,[7]e uma das muitas edições daDiana, do nosso Jorge de Montemor, ao qual ainda não chegara a hora de ser incluído nosIndices expurgatorios das duas Inquisições peninsulares.
II
Continuando na mesma Rua Nova, agora já no territorio da freguezia de «S. Giam»; isto é, para a direita do Arco dos Pregos, ainda ahi encontramos um Francisco Mendes, que estará no caso de Sagramor Fernandes, visto o diminuto do escote, bem como o
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«framengo» Giraldo de Frisa, que pertence tambem, ou nos enganaremos, ao numero dos da sua classe, de que não chegára noticia até nossos dias. Emfim, na mesma Rua Nova, e territorio da sobredita freguezia de «S. Giam» (S. Julião), mas da banda das Varandas, encontramos, fronteira ao Arco dos Pregos, a «viuva de Salvador Martel», Leonor Nunes, a qual, estabelecida, com seu filho, nas casas de Fernão d'Alvarez de Almeida, teve pelos lançadores a avaliação de duzentos mil réis. Salvador Martel foi livreiro conhecido. Deverá ter fallecido no decurso das operações doLançamento, de cujo livro tiramos estas singelas notas, visto como Tito de Noronha ainda o refere ao anno de 1566.[8] Algum tanto mais atrás, e tornando ao territorio da freguezia da Magdalena, voltando da rua de D. Gil Eanes, pelo «Pelourinho», para a rua da Ourivesaria da Prata, em cuja entrada tinham suas lojas os «calciteiros», encontramos o livreiro Jeronymo de Aguiar, que tambem não conheciamos, e, ali perto, no Poço da Fotéa, o já mencionado João de Molina, appelidado no codice que vamos percorrendo «Johão de Espanha», livreiro-editor que rivalisava, sem comtudo o hombrear, como já notámos, com o seu opulento confrade João de Borgonha. Não era, porém, só na famosa Rua Nova, e suas immediações, que se encontravam os mercadores de livros. Na rua direita da Porta do Ferro,[9]numas casas que ahi possuia a camareira-mór, estava estabelecido «Jorge Dagiar» (Aguiar ou Aguilar?) talvez antecessor de Antonio de Aguilar, que nesse sitio teve a sua loja em 1576. Pelas vizinhanças, na «travessa da porta travessa da Madalena», que se ligava á «rua do fim do pé da Costa», tinham tambem suas lojas Francisco Fernandes e «Bautista da Fonsequa».[10]Lá para a Porta do Mar, entre a Mizericordia e a «Fonte da Pregiça»,[11] nas tendas da Cidade que jaziam nas costas do Terreiro do Trigo, vendia livros um tal Manoel Francisco, lojista de medianos teres, cuja fazenda foi avaliada em 10$000 réis. Por pouco mais abastado sería tido um Antonio Dias, com estabelecimento na rua da Gibetaria,―15$000 réis de fazenda.―E nos mesmos casos Pero Castanho, lá para perto de Valverde, numa travessa que vinha de Paio de Novaes para aquelle sitio, isto é, por perto do Rocio.
III
Estes são os livreiros que encontrámos arrolados em 1565-1567 noLivro do Lançamentoque nos tem guiado. Sãovinte, isto é, mais do dobro dos que Tito de Noronha contou em sua já lembrada Memoria, referidos aos mesmos annos. Não poderemos, todavia, affirmar que o João Lopes (1588), da lista daquelle auctor, seja o mesmo que figura nestas singelas notas. A identidade não se nos afigura improvavel. Do Christovão Lopes (1563), daquella lista, já dissemos o que temos por presumivel. Quanto ao livreiro Antonio Curvete (1565), mencionado tambem por Tito, não se nos deparou no longo exame feito ao curioso codice, sob este particular ponto de vista. Isto não quere dizer que elle se não ache entre os 15:000 nomes contidos no volumoso recenso. Bem poderá, porém, ter escapado, por isso que nem sempre as profissões dos fintados lhes acompanham os nomes, ou achar-se-ha substituido por outro dos arrolados.
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Como quer que seja, um e outro do numero total dos livreiros, apontado por Tito de Noronha e por nós, como estabelecidos em Lisbôa entre 1565 e 1567, está muito longe do que mencionou Christovão, onze annos antes[12]―«54». Este numero, na verdade, inconcebivel por si só, e sem mais explicações, é justificado pelo ignorado auctor da chamadaEstatistica de Lisboa, de 1552, que se guarda na Bibliotheca Nacional, de modo assás plausivel, e que, demais, acerta muito satisfatoriamente a nossa conta. Diz, com effeito, o auctor daEstatistica: «Tem XX tendas de livreiros, e [na] maior parte delas i i j, i i i j criados e sserã as pasque nellas trabalham huas per outras lx...... 60 pas». Se em vez de Antonio Curvete, que nos falta, pode estar algum dos diversos desconhecidos, de que damos os nomes, hypothese que não parece improvavel, haveria nesta capital, de 1565 a 1567, o mesmo numero de livreiros que foi contado pelo auctor da Estatistica, em 1552. Adoptada, com effeito, a conta dos «criados» ou «obreyros de  livreiros» que os lojistas teriam a seu serviço, calculada pelo mesmo auctor, ahi teremos o numero de Christovão assaz justificado. Será a seguinte Noticia dedicada aosImpressores.
IV
Aotestemunhodo curioso codice do Archivo Municipal, que temos seguido, na famosa Lisbôa da segunda metade do XVI.º seculo seisa «arte impressoria», como a denominouindividuos exerciam Valentim de Moravia, em sua traducção do livro de Nicolau Veneto. O primeiro dos seis «imprimidores», segundo se lhes então chamava, e elles a si proprios se designavam, encontrados no alludido codice, é o velho João Blavio de Agripina Colonia[13], cujas impressões, conforme a tabella organisada por Tito de Noronha, em sua tão curiosa quanto instructiva monographia;―A Imprensa Portugueza durante o seculo XVI, remontam a 1554. É, porém, de notar que nesta tabella, ou lista chronologica dos impressores deste seculo, assigna-se á actividade de João Blavio os onze annos, apenas, que começam em 1554, e terminam em 1564. Ora, o ról doLivro do Lançamento, onde apparece este impressor, foi recebido pelossacadores (os encarregados da cobrança da extraordinaria imposição) em 11 de março de 1566, e por elles entregue, com o producto da cobrança, em 17 de agosto, do mesmo anno. Vê-se pois que a actividade de João Blavio se prolongou algum tanto mais do que o indica a citada lista. O que fica para saber, é que genero de trabalhos produziria este typographo durante o lapso de tempo em que se averigúa agora ter elle ainda conservado a sua typographia, e a data precisa da sua desapparição.[14] Era pouco importante nesta epoca, segundo parece, a actividade officinal de João Blavio. A moderada avaliação de 3$000 réis, que teve, o está inculcando. Achava-se o velho impressor estabelecido no «Beco de Gaspar das Naus», freguezia de «Sam Giam», nas casas de um tal Bento
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Gonçalves. Aquella minguada arteria de Lisbôa tinha sua entrada na Calcetaria, entre a rua dos Fornos, a L. e o beco da Ferraria, a O. Rematando-se, ao N., por uma especie de cotovello, sem sahida, bifurcava-se na ligação com a rua dos Fornos, a que se chamava «beco do Loureiro». O plano Pombalino, assentando sobre esta um tanto emmaranhada topographia, mostra-nos, como pode ver-se naEst. I da obra valedora do sr. Vieira da Silva,As Muralhas da Ribeira de Lisboa, o Beco de Gaspar das Naus atravessado transversalmente, de cima para baixo, na entrada da rua do Crucifixo, tendo a sua abertura no quarteirão que fica entre a esquina P. da rua do Crucifixo e a do N. da rua Nova do Almada, fronteira, por conseguinte, á parede lateral esquerda da actual igreja da Conceição Nova. O personagem que deu o nome a este beco, e provavelmente residiu nelle, fôra, a julgar pelo que allega o «Negro», naPratica de oito figuras, do poeta Chiado, sujeito que empunhara no mercado a vara da justiça... policial. Diz com effeito, «GAMA»: «Não vou por esse caminho! Fallae ao que vos pergunto, Dizei, negrinho sandeu: saibamos que mal vos fiz, porque não me daes perdiz, pois que m'a compraes do meu? Responde o «NEGRO»: «Nunca elle mim acha... Muito caro, nunca bem... Mim dá-le treze vintem pr'o dôzo; não querê dá. A regatêra muito máo! Mim dize quére vendê? Elle logo saconde... medoGasapar da náo proqu'elle logo prende[15] Gaspar das Naus não é o unico a quem tenha sido applicado o cognome. Houve por esta epoca um outro individuo, chamado Manoel Lopes, tambem cognominado «das Naus». Ainda não sabemos em que se occupasse.
V
Segue-se, na ordem da leitura, Marcos Borges, que nos apparece arrolado como «imprimidor obreyro», residindo em uma de tres vias públicas, enfeixadas peloslançadores sobredita da imposição num só titulo:―« q... com travessa deRua de quebra calca(calça)frades e Rua de pino vay»[16]. O rol onde figura Marcos Borges foi entregue aossacadoresem 2 de maio de 1566, sendo por elles restituido ao thesoureiro da imposição em 1 de agosto seguinte. Ora, «ao primeyro de janeiro de 1566» appareceu a público, impresso por este typographo, o «Paradoxo», de João Cointha, lendo-se no frontispicio da obra, além da sobredita data, mais a seguinte indicação:―«Vede se na empressam detraz de nossa senhora da Palma».[17] Se, pois, Marcos Borges já no 1.º de janeiro de 1566 estava estabelecido por sua conta, e nos dá testemunho irrecusavel do facto na obra que lhe foi, porventura, estreia, como é que elle nos apparece classificado como «imprimidor obreyro», em maio, deste
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mesmo anno? Não deviam os individuos que o classificaram conhecer bem a sua posição? Por outro lado, a indicação um tanto vaga: «detrás de nossa senhora da Palma» poderia até agora fazer suppôr que Marcos Borges estava, com effeito, estabelecido nalgumas casas situadas na parte posterior da capella-mór da ermida daquella invocação, onde, de certeza, havia já neste tempo casas para alugar, como as continuava havendo em 1755, e a ellas se referiram os engenheiros encarregados das medições dos Bairros, ordenadas no começo do anno seguinte pelo ministro do rei D. José.[18] Desde, porém, que Marcos Borges nos apparece residindo num sitio differente do indicado na obra, de que terá sido o proprio editor, como tal indicação nos auctorisa a crêr, ainda que ambos os locaes fôssem convizinhos, o que parece curial é entender-se que o impressor do «Paradoxo», tendo, com effeito, a sua officina no sitio que a obra indica, residiria no «Pino Vay», viela ingreme, quasi fronteira á parte posterior da ermida, e que laborava a escarpa, no alto da qual passava a «rua detraz de Santa Justa», correspondendo, salvo o actual aspecto, á rua da Magdalena, na parte que vae da Betesga ao largo dos Caldas. Vamos ver adiante que Antonio Gonçalves, confrade, já agora celebre, de Marcos Borges, morava numas casas de certa rua, e tinha nella, e perto, em outras, a sua officina. Mas, encosta acima, enlaçava-se no «Pino vay» a «travessa de quebra q...», que rasgando-se entre a «rua dos torneiros» e a «Correaria», um tanto mais abaixo da abertura inferior do «Pino vayía formar com esta viella, a meio da encosta, o enlace que», fica apontado. São poucos os contribuintes arrolados no grupo das tres vias públicas em questão, e tanto se pode suppôr que Marcos Borges, sempre na hypothese de ter a sua officina «atras de nossa senhora da Palma», morasse no «Pino vay» como na travessa predita, ou narua de calça frades. A circumstancia, porém, de não mencionarem os lançadores pessoa alguma a fintar na parte posterior da ermida da Palma, justamente no anno em que este impressor se declarara, na obra que citámos, estabelecido nesse sitio desde o 1.º de janeiro, tenta-nos a ver em tal indicação umalibi, por elle empregado, para remediar um inconveniente a que o decoro devia attender. O que se nos afigura por mais certo, é que ossacadores encontraram, com effeito, Marcos Borges residindo na mesma casa onde teria a sua officina, o que era regra, a bem dizer, geral, não «atrás da ermida de nossa senhora da Palma», mas natravessa de quebra costas, uma das tres do grupoondeo seu nome apparece, entre outros, e da qual se podeadmitir, sem grande violencia, que ficasse fronteira, mas do lado opposto daCorrearia, á parte posterior daquella ermida. Quanto á menos exacta qualificação que ao impressor foi attribuida pelossacadores, pode entender-se egualmente, ou que houve equivoco da parte destes, ou que elles quizeram favorecer o recem-estabelecido «imprimidor», conservando-lhe a qualificação de «obreyro», com o fim de lhe minorar a importancia do escote. Marcos Borges, typographo proprietario de officina, poderia, é verdade, ser avaliado em 3$000 réis, como o fôra o seu confrade João Blavio, e pagaria 21 rs. de escote, mas passando, por favor d o ssacadores, por méro «imprimidor obreyro», alcançava o beneficio da «menor contia», que eram 2$500 rs., correspondendo-lhe a contribuição de 17 rs. Era uma differença apreciavel. Valia a pena acceitar o favor. Marcos Borges, encolhendo-se, ganhava 4 réis, isto é, defraudava S. Alteza em obra de 30 réis, de hoje. Este impressor, ainda em 1567; isto é, no anno seguinte áquelle em que se estabeleceu por sua conta, continuava a dar como séde
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da sua typographia o mesmo sitio: «detrás de nossa senhora da Palma». Assim se lê, com effeito, no fim da «Chronica do valoroso principe e invencivel capitão Jorge Castrioto», de Francisco de Andrade. Era então já «impressor delrey nosso senhor». Não continuou, porém, ahi. Do facto ficou testemunho no depoimento de Pero Alberto, flamengo, seu obreiro, que a 5 de novembro de 1571 declarava seu mestre estabelecido no «Arco dos Carangueijos», se não é Arco do Caranguejo, simplesmente.[19] A indicação é preciosa, porque nos mostra quem foi o successor da viuva de Germão Galharde, da qual adiante nos occuparemos com tal qual individuação.
VI
Ao «imprimidor» Marcos Borges seguem-se, no codice que estamos examinando, os seus dois confrades Manoel João e Francisco Corrêa, encontrados, este na freguezia de Santa Justa, aquelle, na de S. Christovão. É Manoel João o primeiro, e delle e da sua actividade industrial vamos dar os breves respigos por nós colhidos nas duas interessantes e eruditas monographias de Tito de Noronha―A Imprensa Portugueza, eOrdenações do Reino, ambas referidas ao seculo XVI.[20] Manoel João exerceu a sua arte entre os annos de 1565 e 1578. Destes quatorze annos, porém, os dois primeiros occupou-os o impressor em Lisbôa, transferindo-se após a Vizeu, onde trabalhou durante os seguintes déz. Em 1576, provavelmente, Manoel João terá voltado a esta capital, publicando nella, datados deste mesmo anno, osDiesisiete coloquios, de Baltazar Collazos. De 1578 em diante, desapparece. Deverá ter sido limitada, e pouco sortida, a actividade industrial deste impressor, accrescendo que as obras sahidas do seu prélo não se distinguem por perfeitas. Para o facto concorria tambem o cançado tipo de que dispôs, e o papel em que imprimiu. A decadencia da Arte começava a accentuar-se. Dos dois primeiros annos do estabelecimento de Manoel João em Lisbôa conhece-se, impressa no anno de 1565, a 4.ª ed. das Ordenações do Reino, dada a lume, como as anteriores, por mandado régio[21]. Esta edição foi feita á custa do livreiro Francisco Fernandes, e será o mesmo que referimos no Cap. II ter encontrado estabelecido na «Travessa da porta travessa da Madalena»; isto é, por perto da actual calçada do Correio Velho. No anno seguinte dava o nosso impressor a lume a segunda edição daPrimeira Parte da Chronica dos Menores, como lembrámos em uma das notas do Cap. IV. A esta obra seguiu-se a Oração na trasladação dos ossos de Affonso de Albuquerque, e depois osArtigos das Cizas, edição geralmente desconhecida de nossos bibliographos, e de que Tito de Noronha menciona tres exemplares; o da livraria de Lord Stuart, e os de dois amadores do Porto[22]. Em Vizeu, onde Tito conjectura se estabelecera Manoel João, a convite do bispo D. Jorge de Atayde, deu este impressor, em 1569, oCompendio de Confessores, e no anno seguinte asRegulae Cancellariae, de Pio V. Tal é a noticia abreviada da actividade officinal de Manoel João. Cumpriria agora ver como se exprimiu Bastião de Lucena, o escrivão davoluntaria imposição, graças á qual nos foi possivel
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ajuntar as poucas noticias que constituem o assumpto de nossas singelas notas, ao lançar no volumoso codice que estamos compulsando, o nome deste impressor entre os fintados da freguezia de S. Christovão. Antes, porém, importa que o benevolo leitor nos consinta um breve relance á topographia lisbonense, da epoca a que pertence o interessanteLivro do Lançamento que temos examinado. Ver-se-ha não ser sem motivo a digressão.
VII
Quem percorrer as tão bem ordenadas listas da viação pública parochial lisbonense, impressas noSummario de Christovão Rodrigues de Oliveira, com as suas tres categorias de becos, ruas e travessas perfeitamente distinctas, e os seus sessenta e dois «Postos que nam sam ruas», onde o auctor, ou os que taes listas organisaram, accommodam os «sitios», os adros das parochias, os arcos, as varandas, os terreiros, ficará de todo illudido, se cuidar que tudo na vida administrativa de Lisbôa se passava com regularidade tão exemplar, em pleno seculo XVI, que todos os habitantes da famosa cidade lhe conheciam as vias públicas, destrinçando-as umas das outras, como hoje o fazemos, por suas exactas denominações e categorias, sem ser preciso designa-las por signaes, ou auxiliar-se de referencias mais ou menos complicadas, para lhes descreverem a marcha itineraria. A prova de que tal regularidade não passou dos «roles» que os parochos de Lisbôa ministraram ao guarda-roupa do Arcebispo, por ordem deste, e Christovão fez imprimir após as noticias que ía dando das differentes freguezias, está neste codice que temos manuseado, e de que vamos dando noticia a nossos benignos leitores. No breve espaço dos quinze annos que medeiam entre a data que é costume attribuir á curiosa obra do solícito famulo do prelado lisbonense, é oLivro do Lançamento, do Archivo Municipal (1551-1565), um grande numero de vias públicas de todas as tres categorias se haviam aggregado ásquinhentas e vinte e uma, de que oSummariopretende dar a conta, não em somma total, mas em sommas parciaes, referidas a cada qual das tres 3] categorias[2. Estava no seu auge o facto que aMiscellanea de Garcia de Resende commemora; «Lisboa vimos crescer Em povos e em grandeza. E muito se nobrecer Em edificios, riqueza». Lisbôa desenvolvera-se a olhos vistos, e uma nova remodelação do territorio parochial, divisão unica, de tal qual regularidade por então em vigor, e essa mesma mais para o ecclesiastico, do que para o civil, estava imminente. Ora, desde o 1.º de janeiro de 1560 que a freguezia de «Santa Catharina do Monte Sinay» encetava, pelo funccionamento da sua parochia, a série de providencias, que o Cardeal Infante resolvera promover, para instituir mais cinco freguezias na cidade, recortando-as no territorio das vinte e quatro existentes, segundo lembrámos no começo destas singelas Notas. Pois bem: cinco annos depois de ter começado a funccionar esta parochia, ainda a grande maioria das vias públicas que lhe sulcavam o territorio carecía de denominações, ou oslançadores, freguezes nella, e que haviam formado os roes davoluntaria derrama, lh'os não conheciam. A calçadado Congro[24]ahi figura já, na verdade, substituindo se á denominação bem mais pictoresca de que dispusera, de calçada daBoa Vistaem que, seguindo os roes de Christovão, a, no tempo
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